A CazéTV divulgou no dia 13/06 uma carta ao mercado onde questiona o modelo de medição de audiência da Kantar Ibope Media. Embora levante pontos interessantes, o documento tropeça ao transformar uma discussão técnica em um discurso autopromocional, marcado por generalizações, utopias e conclusões precipitadas. O NaTelinha ouviu executivos do setor e a percepção é que o texto virou motivo de chacota nos bastidores.
A CazéTV critica o novo modelo SAM (Streaming Audience Measurement) parte da premissa de que qualquer tentativa de padronizar a medição de audiência digital com base em métodos da TV tradicional é um retrocesso.
Porém, não é difícil perceber que esse raciocínio ignora uma realidade central do mercado publicitário: sem comparabilidade, não há planejamento estratégico eficiente. Se cada plataforma usar suas próprias métricas, sem padronização mínima ou auditoria externa, a transparência prometida se torna apenas um argumento comercial — e não uma garantia de confiabilidade.
“As maiores plataformas digitais do mundo — YouTube, Meta, TikTok, Netflix, Globoplay, Disney+ e Prime Video — usam dados reais (não por amostra), gerados diretamente por suas plataformas. É com esses first-party data que as marcas tomam decisões e investem bilhões todos os anos, no Brasil e no mundo todo. São dados confiáveis, rastreáveis, segmentáveis, que geram resultados — e aceitos por todo o mercado”. Trecho da carta da CazéTV enviado ao mercado (13/06/2025)
O manifesto afirma, com segurança absoluta, que os dados digitais são “reais”. Aqui reside o primeiro problema grave: a falsa ideia de que dados próprios de plataformas digitais são, por definição, mais confiáveis.
Plataformas como YouTube, TikTok e Netflix operam com métricas proprietárias que não são auditadas de forma independente. Ou seja, o mesmo ambiente que o texto exalta como transparente é, na prática, uma caixa-preta em muitos aspectos.
Outro ponto que merece crítica é o desprezo pela história da medição por amostragem. A carta da CazéTV apresenta a amostragem como um modelo ultrapassado, ignorando que trata-se de uma técnica estatística consolidada, aplicada até hoje em pesquisas eleitorais, estudos demográficos e epidemiológicos.
O problema não é a amostragem em si, mas como ela é feita. Se há críticas legítimas ao painel atual do Ibope, elas deveriam vir acompanhadas de propostas concretas — e não de slogans vazios.
Não perderemos tempo tentando entender a quem interessaria esse retrocesso. Não se constrói o futuro olhando pelo retrovisor. Na CazéTV, seguimos em frente: com audiências crescentes e engajadas, medidas com precisão e, acima de tudo, com conexão emocional entre marcas e consumidores”. Trecho da carta da CazéTV enviado ao mercado (13/06/2025)
A retórica emocional também enfraquece o argumento. Quando o texto diz que “não perderá tempo tentando entender a quem interessaria esse retrocesso”, flerta com o discurso de insinuação, sugerindo interesses obscuros, sem apresentar qualquer prova. É o tipo de comunicação que substitui o dado pelo deboche, mais eficiente para engajar nas redes do que para informar ou convencer tecnicamente.
O canal de esportes, na carta, ignora um ponto-chave: é possível — e desejável — construir modelos híbridos de medição, que levem em conta tanto os dados próprios das plataformas quanto os critérios de padronização que permitam ao mercado fazer comparações justas entre diferentes meios.
Agora, a CazéTV tem, sim, motivos legítimos para defender um novo modelo de mensuração, mais condizente com os hábitos digitais de consumo.
CazéTV e a briga pelo bolo publicitário entre TV aberta e as plataformas digitais
“O que deveríamos estar comparando com a TV tradicional é o engajamento que transmissões no streaming, como as da CazeTV, geram nos fãs e nas marcas. Em um ambiente com linguagem própria, interação ao vivo, enquetes, chats, memes, cortes que viralizam, comunidades ativas em várias redes. O público participa. As marcas também”.Trecho da carta da CazéTV enviado ao mercado (13/06/2025)
Por trás desse embate está um pano de fundo que não pode ser ignorado: a crescente disputa pelos investimentos publicitários — entre os meios digitais e a TV tradicional.
A carta da CazéTV foi divulgada justamente na mesma semana em que dados da Kantar Ibope Media revelaram que, em abril de 2025, a TV aberta respondeu por mais de dois terços do consumo de vídeo em TV/CTV no Brasil (69,3%). Esse índice deixou bem atrás o YouTube (12,6%), a TV por assinatura (9,5%) e todas as plataformas de streaming somadas.
O conteúdo foi publicado pelo consultor de mídia e professor Fernando Morgado nas suas redes sociais e repercutido por executivos importantes da TV, como Daniela Beyruti, CEO do SBT, e Claudio Paim, diretor de produtos publicitários da Globo.
O futuro não se constrói apenas com engajamento — ele exige método, responsabilidade e compromisso com a verdade, mesmo quando ela é mais complexa do que uma boa thread.
Ao divulgar a carta, a CazéTV perdeu a chance de contribuir com um debate sério e técnico sobre a medição de audiência. O resultado foi tão fora do tom que, para muitos no mercado, teria sido melhor se a carta simplesmente nunca tivesse existido.
*Informações: Sandro Nascimento via NaTelinha