Enquanto o mundo gira em velocidade acelerada, com a inteligência artificial transformando a forma como as pessoas consomem notícias e conteúdos, o rádio brasileiro ainda insiste em fórmulas dos anos 90. Pior: ignora completamente o novo comportamento do público. Ignora a IA. Ignora o imediatismo. Ignora os dados de uma realidade perigosa — e se ancora em uma narrativa que já deu o que tinha que dar: o rádio ‘AINDA’ alcança 79% da população (mas no Brasil isso é em 30 dias enquanto nos Estados Unidos é mais de 80% da população por dia); o rádio CONTINUA’ forte (ele “continua” ou “é” forte?).
E ignora o que mais importa hoje: o tempo de ATENÇÃO de seus ouvintes.
Chegamos a um ponto em que o consumidor não pesquisa mais, ele pergunta — e espera que uma IA (como o ChatGPT ou o Gemini) resuma tudo em segundos. A pessoa não quer saber a história toda; ela quer o que importa, de forma direta, sem rodeios. E isso não é “futuro”, é presente. Segundo o Digital News Report 2025, do Reuters Institute, 15% dos jovens com menos de 25 anos já usam IA para consumir notícias. E esse número cresce a cada mês.
Atenção virou artigo de luxo
O TikTok mostrou: ou você conquista nos primeiros 3 segundos, ou já era. Segundo pesquisa da própria plataforma, 63% dos vídeos de maior engajamento capturam a atenção nesse tempo. Três. Segundos. É o tempo que você tem para prender alguém — inclusive no rádio.
Mas o rádio parece que ainda não entendeu. Quer uma prova? Esses dias ouvi um locutor gastar 8 minutos mandando “alô” para 9 pessoas de um baile que aconteceu no final de semana anterior. Tempo suficiente para tocar três músicas e ainda informar uma notícia local de impacto. O resultado? Ele perdeu tempo, perdeu relevância — e provavelmente perdeu ouvintes. Em uma cidade de 100 mil habitantes, tentar agradar só 9 é falência da programação.
Enquanto isso, o tempo médio das músicas caiu drasticamente. No sertanejo, faixas que tinham 4 minutos anos atrás hoje duram 1m57s. Porque o ouvinte não tem mais paciência — e as músicas de hoje viraram uma repetição de refrão que talvez seja só relevante para o compositor e o intérprete. A atenção está sob ataque, e isso não se limita ao digital: quem está impaciente com vídeos e redes sociais também está impaciente no rádio e na TV.
Será que esse não é o principal motivo das rádios adultas contemporâneas estarem liderando grandes mercados? Música boa e notícias na dose certa?
O rádio popular tem falado demais. E diz pouco.
Salvo exceções como rádios jornalísticas ou programas de entrevista (que seguem uma proposta clara), a maioria das rádios musicais insiste em longas falas, conteúdos repetitivos, recados pessoais e fórmulas gastas. É como se não houvesse percepção do que acontece do lado de fora da cabine.
Você acha mesmo que um ouvinte vai esperar um minuto de conversa para ouvir uma música que ele nem conhece? E mais: será que essa música foi pensada para ser reconhecida nos primeiros segundos? Porque, se não for, o ouvinte vai embora antes do refrão.
Enquanto isso, o digital está atento.
Veja o que está acontecendo na internet:
• O Instagram teve queda de 28% no engajamento no último ano, com usuários apenas rolando o feed sem curtir, comentar ou compartilhar;
• 40% das pessoas evitam notícias porque as acham repetitivas, irrelevantes ou perturbadoras (Reuters Institute, 2025);
• O Google lançou os AI Overviews, resumos automáticos que entregam a resposta na busca, sem o usuário clicar no site.
O que isso causou? Queda de até 50% no tráfego de grandes portais jornalísticos dos EUA, como Washington Post e Business Insider. No Brasil, portais locais já sentem o impacto. A BrightEdge revelou: as buscas cresceram 49%, mas os cliques nos sites caíram 30%. Ou seja: o usuário faz a pergunta, recebe um resumo gerado por IA e não acessa mais o seu conteúdo.
Agora vem o alerta para você, gestor de rádio que também tem portal de notícias: se você não está preparando seu SEO para o GEO, está perdendo tempo. GEO significa Search Generative Experience — uma nova realidade em que as IAs entregam o conteúdo em vez do link. O Google já começou. E, se o seu portal depende de tráfego orgânico para monetizar banners, prepare-se para o colapso.
E o que o rádio está fazendo? Nada.
Enquanto o digital entende o comportamento do seu usuário, o rádio insiste em manter uma grade que serve mais ao velho rádio do que à audiência. Programas românticos noturnos, horóscopos, lista de “abraços” para os mesmos ouvintes todos os dias. Isso não é conexão, é preguiça de estudar o ouvinte e se reinventar.
Em 2019, o rádio alcançava 86% da população no Brasil. Em 2024, 79%. Talvez em 2025 melhore esse índice após um ajuste na metodologia de algumas pesquisas, em busca de um cenário de uma audiência mais velha.
A inteligência artificial já está disponível para nos ajudar em tudo isso que está acontecendo no mundo do consumo de mídia.
Mas, para isso, é preciso o rádio estudar, reconhecer e mudar. Notícias em 30/60 segundos têm mais chance de manter um ouvinte do que um boletim de 3 minutos. Flashes comerciais de 3 minutos? Nunca mais.
Falar o que importa. Tocar o que conecta. Criar uma experiência relevante em tempo real.
Uma ressalva importante
Claro que não podemos generalizar. Existem sim iniciativas relevantes, profissionais atentos e rádios que estão se reinventando, observando o comportamento do público, estudando novas ferramentas e adaptando formatos – principalmente nas grandes capitais.
Mas é preciso ser realista: em um universo com mais de 5.300 rádios comerciais no Brasil, quantos bons exemplos temos de verdade? É muito pouco — e isso preocupa. O risco não é de uma ou outra emissora perder espaço. O risco é o setor como um todo entrar em obsolescência se continuar acreditando que “fazer rádio” é repetir as mesmas fórmulas de 30 anos atrás confiando em uma enxurrada de pesquisas que dizem que o rádio ‘AINDA’ ou ‘CONTINUA’ isso ou aquilo.
Ou o rádio muda. Ou será atropelado.
A IA não é uma ameaça. É uma aliada. Mas só para quem entende o que está acontecendo. Quem continuar ignorando os dados, os hábitos e os sinais vai perder ouvinte para o Spotify, para o TikTok, para a Alexa, para o YouTube, para a IA — e até para o silêncio.
O público mudou. O consumo mudou. A atenção mudou.
O que falta mudar é a mentalidade do rádio no Brasil.
Cristiano Stuani – Consultor de Marketing e professor universitário no curso de Administração de Empresas

*Informações: tudoradio.com