O avanço da inteligência artificial (IA) já começa a transformar rotinas tradicionais do jornalismo e do rádio. Um exemplo recente, relatada inicialmente em reportagem de Alice Labate, no Estadão, veio da BandNews FM, que utilizou a tecnologia de clonagem de voz para manter a participação de Reinaldo Azevedo no programa O É da Coisa, mesmo enquanto o jornalista estava afastado por motivos de saúde.
No início de setembro, Azevedo precisou interromper suas atividades de locução por conta de uma inflamação aguda na garganta. Apesar disso, seguiu produzindo análises e textos opinativos – mas sem condições de gravar. Para que o público não perdesse esse conteúdo, a rádio decidiu recorrer a uma solução inovadora: converter seus textos em áudio utilizando um modelo de voz artificial treinado a partir da própria voz do apresentador.
Como a tecnologia foi aplicada
A iniciativa foi conduzida em parceria com o Vibra, braço digital do Grupo Bandeirantes, que integra soluções de inteligência artificial ao ecossistema da empresa. Entre as ferramentas utilizadas esteve a ElevenLabs, startup que vem se destacando globalmente na área de clonagem de voz.
O processo contou com a autorização expressa de Reinaldo Azevedo, que assinou um termo liberando o uso de sua voz sintetizada. Além disso, a BandNews estruturou protocolos internos para garantir governança, transparência e segurança no uso da tecnologia.
A estreia aconteceu em 10 de setembro, quando o público ouviu, no ar, a análise de Azevedo sobre o voto do ministro Luiz Fux no Supremo Tribunal Federal. O texto já havia sido publicado em suas redes sociais, mas ganhou vida no rádio graças à inteligência artificial.
O vídeo a seguir mostra o primeiro programa que foi ao ar com a voz clonada. Como comparação, o vídeo seguinte mostra um programa anterior, com a participação do próprio Reinaldo Azevedo.
Segundo Jean Pierre Vandresen, Gerente de Engenharia e Operações Rádios do Grupo Band, a tecnologia já vinha sendo testada em diferentes frentes até que surgiu a oportunidade de colocá-la à prova: “Quando o Reinaldo Azevedo ficou sem voz, decidimos apostar na solução. Fizemos vários testes de clonagem até chegar ao ajuste ideal e, a partir daí, passamos a usar em produção”. Sobre a qualidade alcançada, ele acrescenta: “O próprio Reinaldo se surpreendeu com o resultado”.
Em um post no Instagram, a emissora comemorou os bons resultados: “A novidade foi aprovada pelos ouvintes da BandNews FM, que participaram pelo WhatsApp, mas há também comentários de ouvintes mais exigentes como: ‘Faltou o tom de indignação que só ele tem’”.
Ética, credibilidade e futuro
A decisão de usar a clonagem de voz não foi tomada de forma apressada. A direção da BandNews avaliou riscos, benefícios e, sobretudo, a percepção da audiência. O ponto central foi manter a credibilidade e o compromisso editorial da emissora, sem esconder do público o uso da tecnologia.
Segundo a direção, a IA não substituiu o trabalho do jornalista, apenas viabilizou a reprodução fiel de análises que ele continuou produzindo, mesmo sem poder falar. Dessa forma, o recurso foi encarado como uma ponte entre a limitação momentânea do apresentador e a expectativa do ouvinte em acompanhar sua visão crítica.
O que essa experiência revela
O caso da BandNews FM mostra como a inteligência artificial pode ser integrada ao rádio de maneira ética e responsável. Mais do que uma curiosidade tecnológica, trata-se de uma aplicação prática que resolve um problema real: manter a conexão entre um comunicador e sua audiência, mesmo em situações adversas.
A emissora já sinalizou que pretende continuar explorando soluções de IA em situações pontuais, sempre observando critérios de qualidade, eficiência e transparência. O episódio também reforça a importância de discutir os aspectos éticos da clonagem de voz, um campo que ainda gera debates sobre privacidade, segurança e autenticidade.
*Fonte: ZyDigital