Qual é, de verdade, a experiência de se ouvir música hoje no rádio? Durante décadas, o dial entregou algo que ninguém mais conseguia entregar: uma experiência sonora envolvente, com dinâmica, corpo e prazer de ouvir. Hoje, em muitas emissoras, o que chega ao ouvido do público é um arquivo MP3 achatado, passado por várias camadas de compressão, brigando com ruído, processamento e transmissão precária. O problema não é só gosto. É técnica, ciência, saúde auditiva e posicionamento de marca. Se o rádio não assumir a liderança na exigência de qualidade sonora, outro player assume.
E o pior de tudo é um radialista ou outro dizer: “não é perceptível a diferença”.
Bom, quem ainda tem a experiência de colocar um CD ou um LP em casa sabe o impacto imediato: mais detalhes, mais profundidade, menos cansaço auditivo.
Um arquivo em qualidade de CD, formato WAV 44.1 kHz 16 bits estéreo, tem algo em torno de 40 MB por música. Quando o mesmo conteúdo é convertido para MP3 a 320 kbps, cai para cerca de 4 MB. Ou seja, esprememos a informação sonora em algo perto de dez vezes. Não existe mágica, existe perda de dados. Essa compressão foi pensada para uma era de HD pequeno e internet lenta. Essa era acabou. Hoje um HD de 1 TB é barato, comporta milhares de músicas em WAV, e nenhuma rádio precisa de uma biblioteca maior que algumas poucas milhares de faixas bem escolhidas para montar uma programação competitiva. Mesmo assim, o setor continua tratando MP3 como se fosse suficiente. Não é.
Esses dias, ao buscar analisar como estão os receptores dos carros atuais, pedi ao vendedor da concessionária para testar o som e ele disse: “Pode ancorar o seu celular e colocar no Spotify para ter uma qualidade melhor”.
É isso. As pessoas têm as plataformas digitais como referência de música com qualidade sonora. E, em muitos casos, elas estão com razão.
A discussão não é só sobre fidelidade técnica. Pesquisas em áudio mostram que a compressão MP3 altera a forma como percebemos a emoção da música. Em testes de escuta comparando sons comprimidos e não comprimidos em diferentes taxas de bits, os pesquisadores observaram que o MP3 tende a reforçar emoções neutras ou negativas e enfraquecer emoções positivas como alegria, romantismo e sensação de calma. Em resumo, a compressão não apenas tira detalhe. Ela distorce a maneira como o ouvinte percebe a intenção do artista. E isso é exatamente o contrário do que um bom produto de rádio deveria entregar: envolvimento, energia, acolhimento.
Hoje, em boa parte do mercado, o fluxo é este. O artista ou escritório já envia a música super comprimida, com volume no limite, dinâmica destruída e pico cravado na master. Alguém converte isso para MP3. A rádio joga esse arquivo em uma automação que alimenta um processador de áudio pesado, que comprime e equaliza de novo para tentar soar forte no dial. Esse mesmo sinal passa por outra cadeia de compressão para ir ao streaming da emissora. Resultado: áudio comprimido em cima de áudio comprimido, em cima de áudio comprimido. Cada etapa tira textura, respiro, naturalidade. O som encurta, tudo vira um bloco. Fica alto, mas pobre. E, principalmente, cansativo.
É aqui que entra a fadiga auditiva. Quanto mais esforço o cérebro precisa fazer para entender o que ouve, maior a carga cognitiva e mais rápido vem o cansaço. Quando o áudio perde parte das frequências e nuances, o cérebro precisa adivinhar o que ficou pelo caminho. Depois de um tempo, aquilo cansa. Aquele som duro, sem dinâmica, começa a incomodar. O rádio, que deveria ser companhia, vira fonte de cansaço.
A pergunta que precisa ser feita é direta. O rádio está desinformado ou acomodado? Se a tecnologia já avançou, se o custo de armazenamento despencou e se a ciência vem apontando o impacto da compressão excessiva na emoção e na fadiga, por que boa parte das emissoras continua aceitando qualquer MP3 que chega no e-mail ou pelo WhatsApp – muitos radialistas nem sabem que um arquivo MP3 ou WAV recebido pelo WhatsApp, mesmo que seja enviado como arquivo, perde ainda mais qualidade. Falta conhecimento técnico básico sobre formatos, bitrate, loudness e cadeia de processamento. Há uma cultura de sempre foi assim. Como MP3 funciona e ninguém reclama diretamente, parece que está tudo bem. E existe uma dependência acrítica do que o mercado entrega. Se o escritório do artista mandou, a rádio só aperta o play.
Eu me pergunto com frequência se o dono da rádio realmente entende de áudio e tecnologia ou se está apenas repetindo o modelo de vinte anos atrás no piloto automático. Enquanto isso, o ouvinte compara, mesmo sem saber explicar tecnicamente. No carro, ele percebe que o som de uma boa fonte digital soa mais limpo do que o da emissora local. E a percepção de produto velho cola no rádio.
O que fazer? Primeiro, o rádio precisa estabelecer um padrão mínimo de arquivo sonoro e exigir isso ao mercado. Tem que parar de aceitar absolutamente tudo.
Segundo, é urgente revisar o fluxo de produção interno. A emissora precisa fazer um pente fino na playlist, identificar arquivos em baixa qualidade e substituí-los progressivamente por versões em alta – converter MP3 em WAV não resolve. Se transformou o arquivo em MP3 alguma vez, já danificou o arquivo.
O rádio não precisa soar pior que ninguém. Mesmo sabendo que o sinal no dial sofre com limitações técnicas e interferências, ainda assim é perfeitamente possível entregar algo muito melhor do que o que boa parte do mercado entrega hoje.
O ouvinte talvez não saiba o que é bitrate, loudness ou WAV. Mas ele reconhece o que relaxa e o que cansa. Se o áudio da sua rádio gera fadiga auditiva, ele vai girar o dial ou trocar de aplicativo. Não é ideologia. É comportamento.
Cabe ao rádio liderar a conversa com artistas, gravadoras, escritórios e estúdios de produção. Cabe ao rádio dizer não para o arquivo ruim, mesmo que venha de um nome grande. Cabe ao rádio ouvir a si mesmo com rigor, todos os dias.
Cristiano Stuani – Consultor de Marketing e professor universitário no curso de Administração de Empresas

*Fonte: tudoradio.com


