No sábado, 13 de setembro, o IBC em Amsterdã recebeu a palestra “The New Normal”, conduzida por Evan Shapiro, conhecido como o “cartógrafo da mídia”. A apresentação, repleta de dados e gráficos, trouxe um diagnóstico contundente sobre o estado atual da indústria: o poder saiu das mãos das corporações e foi transferido de forma definitiva para o usuário. O tudoradio.com cobre o IBC2025 direto da Holanda, com os apoios de AMIRT, ASSERPE, BeAudio, BrasilStream e RadioData.
A queda da mídia tradicional e a ascensão da tecnologia
Shapiro iniciou relembrando a reação de choque de grandes conglomerados quando, cinco anos atrás, foram colocados lado a lado com Big Techs em seu mapa do universo midiático. Hoje, a resistência perdeu sentido: enquanto a Disney estagnou, a Warner encolheu 70% e a Comcast se fragmenta, gigantes como Google, Apple e Meta adicionaram trilhões de dólares em valor de mercado.
O palestrante comparou a situação a um câncer. Há dois anos, ele mesmo anunciou estar doente — e hoje está curado. A mídia, no entanto, não. O câncer que corrói o setor é a negação da era centrada no usuário.
O usuário é o novo chefe
Dois sistemas dominam quase 100% dos smartphones no planeta: Apple e Android. O celular é o primeiro e o último objeto que tocamos todos os dias. É o controle remoto de nossas vidas e, sobretudo, do consumo de mídia.
A lógica também mudou nas assinaturas: tornou-se simples assinar, maratonar e cancelar. O poder está nas mãos do público. Plataformas não detêm mais a fidelidade, mas sim a conveniência momentânea.
YouTube: da tela pequena para a tela maior
Os números apresentados por Shapiro mostram o salto do YouTube como a principal tela global:
- Podcasts: 400 milhões de horas mensais na televisão.
- Todo o conteúdo: 1 bilhão de horas diárias.
- Conteúdos longos: 73% do consumo em salas de estar em 2024, contra 65% no ano anterior.
O que antes era considerado “amador” hoje redefine o conceito de premium. Podcasts, entrevistas e conteúdos longos são televisão — só que distribuída por outro ecossistema.
Casos emblemáticos: CBC e BBC
A CBC registrou ganhos expressivos após expandir no YouTube:
- 55% de aumento em conteúdo longo.
- 117% de crescimento no tempo de visualização nos canais de entretenimento.
- 134% a mais no canal principal.
- 68% de crescimento em receita.
Mais significativo: a audiência do YouTube é 25 anos mais jovem que a da TV linear.
Na BBC, o fenômeno foi outro: 91,2% da audiência digital vem de fora do Reino Unido, globalizando a marca e quebrando fronteiras históricas da emissora.
O abismo das gerações
A demografia de 2025 é clara:
- 70% da população mundial será formada por millennials, geração Z e Alpha.
- Apenas 14% terá mais de 60 anos.
A idade média das plataformas escancara a divisão:
- Instagram, podcasts e YouTube giram entre 34 e 38 anos.
- Netflix e Hulu estão na casa dos 42 anos.
- Jornais, rádio e TV ultrapassam 60 anos.
Enquanto os mais velhos permanecem presos ao modelo broadcast, os jovens já constroem ecossistemas digitais próprios.
O colapso do broadcast
Nos anos 1970, programas de TV nos EUA atingiam mais de 62 milhões de espectadores semanais. Em 2025, os dez programas mais assistidos somados chegam a 60 milhões.
Em contraste, a Nielsen aponta:
- YouTube: 13,4% de participação na TV americana.
- Netflix: 8,8%.
- Disney: 19,4%.
- TV paga: 22,2%.
- Broadcast: 18,4%.
E o movimento é consistente: entre 2024 e 2025, o YouTube subiu de 10,4% para 13,4%, enquanto a Netflix caiu.
A nova regra: fragmentação
O YouTube tem 4,6 milhões de canais ativos, mas os 917 mil canais do decil mais alto concentram 93,9% das visualizações. Os outros 9 decis ficam com menos de 6%.
A lógica não é mais a escala, mas a relevância em nichos.
O valor do fandom
Shapiro apresentou o conceito de KPIx — Key Passion Index. A métrica não mede apenas quantidade de audiência, mas qualidade da paixão. Importa a velocidade de conversão em fãs, o engajamento real, a adoção de identidade e o valor de devoção ao longo da vida.
Exemplo: a Angel Studios só produz filmes aprovados pelo público em votação. Resultado: arrecadou US$ 55 milhões em 18 dias com 40 mil pessoas e sustenta bilheteiras médias superiores a US$ 30 milhões. Paixão transformada em capital.
Uma estratégia unificada
O novo normal exige integração de ecossistemas paralelos: TV aberta e paga, streaming (SVOD, AVOD, FAST), mobile, social, gaming e áudio. Essa é a estratégia unificada do usuário: estar presente em todas as telas, para todas as gerações.
Os dados e gráficos de Evan Shapiro confirmam o que muitos no mercado insistem em negar: a mídia tradicional perdeu o protagonismo. Ainda há quem tente sustentar narrativas nostálgicas, mas os números são inapeláveis. O usuário não só escolhe o que assistir, como decide quando, onde e por quanto tempo.
O problema é que parte das empresas ainda opera como se vivesse em 1995, com medo de testar, de expor conteúdo em novas plataformas e de encarar a fragmentação como oportunidade. Isso é um erro estratégico que beira a teimosia suicida.
A lição é direta: quem insistir em medir audiência por volume, em vez de por paixão, vai desaparecer. E, convenhamos, não será culpa da tecnologia, mas da arrogância de quem preferiu ignorar a realidade.
O Novo Normal não é apenas uma fase de adaptação, é um divisor de águas. Ou a mídia assume de vez que o usuário é o centro, ou não haverá futuro para ela.
*Informações: tudoradio.com