Esse é o ponto de interseção entre euforia e transformação: o capital especulativo acelera a construção de algo que o mundo precisaria de qualquer forma
O debate sobre uma possível bolha de Inteligência Artificial (IA) divide economistas, investidores e tecnólogos. A dúvida é se o atual volume de investimentos representa um excesso especulativo, como nas ferrovias do século XIX e na internet dos anos 2000, ou se estamos diante de um novo ciclo de inovação capaz de redefinir a infraestrutura digital global. Talvez a resposta seja menos um ou outro — e mais ambos ao mesmo tempo.
De um lado, há sinais consistentes de euforia. O crescimento vem sendo impulsionado por investimentos massivos em infraestrutura (CAPEX) — data centers, chips e energia — com ganhos de produtividade ainda modestos e desiguais na economia real. A receita global da IA Generativa, estimada em US$ 60 bilhões, cobre apenas 15% do CAPEX anual (US$ 400 bilhões). Para justificar esse ritmo, a receita precisaria crescer seis ou sete vezes nos próximos anos, ou os custos de treinamento despencarem — algo que pode ocorrer com novas arquiteturas e ciclos de vida mais longos de hardware. Há indícios desses avanços, mas nada garantido.
O investimento total já supera 1% do PIB dos EUA, e a escalada de capital pode estar deslocando recursos de outros setores, especialmente os sensíveis a juros. Além disso, por trás da multiplicidade de aplicações, há uma forte concentração de infraestrutura: semicondutores, energia e data centers. Poucos fabricantes e pouca redundância tornam o sistema vulnerável a interrupções.
Mas essa concentração começa, aos poucos, a se diluir. Novas regiões estão atraindo investimentos, empresas de semicondutores diversificam cadeias produtivas e provedores expandem fontes de energia e conectividade. O movimento ainda é inicial, mas indica que o ecossistema começa a buscar resiliência por dispersão, uma transição importante para sustentar o crescimento da próxima fase.
Mesmo assim, o risco persiste: uma restrição regulatória, uma disputa geopolítica ou um gargalo energético pode gerar efeitos em cascata. E, na camada das startups, valuations elevados e dependência de crédito privado ampliam o risco de correções abruptas.
Ainda assim, há razões sólidas para crer que não vivemos uma bolha clássica com a IA. As líderes de do segmento são altamente lucrativas e bem capitalizadas, com caixa suficiente para financiar seus próprios projetos — o oposto da era dot-com. As receitas crescem de 80% a 700% ao ano, e os múltiplos (P/E ≈ 38x) estão muito abaixo dos 600x vistos em 2000. Há também injeção real de novo PIB: empresas, governos e fundos soberanos estão investindo capital produtivo, contratando mão de obra e expandindo cadeias de suprimento.
A adoção em massa é inegável — produtos de IA atingiram 1 bilhão de usuários em tempo recorde, e o uso corporativo já se espalhou por setores como saúde, finanças e manufatura. Para muitos países, a IA se tornou infraestrutura estratégica, sinônimo de competitividade e soberania digital.
Esse é o ponto de interseção entre euforia e transformação: o capital especulativo acelera a construção de algo que o mundo precisaria de qualquer forma. Mesmo que parte dessa corrida se revele insustentável, a base física e tecnológica que ela deixa, tende a permanecer — mais madura, mais eficiente e distribuída. É esse legado de infraestrutura — e não a volatilidade do mercado — que moldará a próxima fase da economia digital.
Toda revolução passou por exuberância, correção e consolidação. Mesmo que o mercado sofra ajustes, a infraestrutura da IA permanecerá — os data centers, chips e redes que hoje sustentam a tecnologia continuarão sendo o alicerce de um novo modelo produtivo. O desafio não é evitar a bolha na IA, mas garantir que o investimento deixe um legado real de eficiência e inovação.
Se o capital for bem direcionado, a possível correção trará maturidade, não ruína. E quando o ciclo se acalmar, ficará claro que a parte mais valiosa dessa corrida não foi a promessa da IA, mas a base que ela obrigou o mundo a construir. No fim, se o hype é barulho, a infraestrutura é o som do futuro.
Victor Arnaud – Presidente da Equinix no Brasil, escreve mensalmente a Coluna do Arnaud, com sua visão sobre presente e futuro da infraestrutura digital

*Fonte: Tele.Síntese


